Quando desamparado e desesperado: Não temas

Publicado em 10/08/2015 às 09:27 Por Pr. Almir Marcolino Visto por 597

O novo pode tanto assustar como entusiasmar. Diante do novo, alguns se sentem estimulados, inspirados e empolgados, enquanto outros  reagem de modo ressabiado, atemorizado e intimidado. A vida dá muitas voltas e nem sempre as mudanças são para melhor. Por isso, quando as curvas do tempo aparecem, uns movem a direção de suas vidas com muita desconfiança  e vagar, e outros dão um crédito à esperança e  encaram as curvas como oportunidades onde descortinarão paisagens melhores.
Quando a mudança é para um ano novo, a maioria resolve acreditar que será para melhor. Espero que assim seja, mas é bom estar preparado. Pois algumas vezes, a vida nos reserva surpresas desagradáveis.

A minha vida é um exemplo disso, ela deu muitas voltas, numa delas o novo foi assustador e até apavorante. Ele me levou através da estrada da dúvida e do medo até o deserto do desespero, antes que chegasse o horizonte de esperança e conforto. Irei compartilhar a minha experiência com vocês,  através de um artifício retórico, porque de fato, eu vivi quase 4 mil anos atrás.
Fui uma criada egípcia. Uma criada naquela época era a dama de companhia das senhoras casadas. Algumas moças quando se casavam ganhavam uma criada como presente, estas eram consideradas parte da família (Gn 29.24,29). No meu caso, provavelmente fui um dos presentes que o Faraó deu para Abraão, este me designou para servir sua esposa Sara, devendo estar a disposição para servir e seguir suas instruções, ficando dependente dela (Gn 12.16; Sl 123.2).

Esta foi a primeira grande mudança da minha vida. Mudei de nação, de dono, de estilo de vida, inclusive de religião e de deus. Deixei para trás minha terra no Egito, uma morada fixa, os vários deuses egípcios e seus templos suntuosos. Passei a ser uma peregrina, numa vida nômade,  como minha senhora e seu senhor que eram pastores de animais, vagando na Palestina, ora num lugar, ora noutro, buscando os melhores pastos. Eles serviam a um  único Deus, que afirmava ser o Deus de toda a terra, e lhes havia feito a promessa de abençoa-los e fazer deles um grande povo.

Minha senhora não tinha filhos, e as leis da época permitiam que ela desse uma de suas servas para dormir com o seu senhor, e o filho que nascesse seria legalmente considerado dela. Seria o equivalente a um útero de aluguel nos dias de hoje. Eu fui a escolhida. Que privilégio!

Quando engravidei me achei! Passei a considerar minha senhora como inferior a mim, como alguém insignificante e perdi o respeito apropriado que devia ter por ela. Pensei que pudesse galgar algumas posições na hierarquia daquele clã e que minha vida teria uma grande mudança, desta vez para melhor.

Mas, estava enganada! Minha senhora queixou-se a seu senhor Abraão, e ele reforçou a autoridade dela sobre mim e ela me oprimiu a um ponto que não aguentei e fugi. Tentei voltar ao Egito através do deserto. Mas o Anjo do Senhor me achou junto a uma fonte e me ordenou que voltasse e me submetesse diante de minha senhora.

Voltei e me submeti. Tive meu filho e a vida continuou normal:  eu uma serva de Sara, Abraão nosso senhor e pai de meu filho, que então era único, sendo a esperança de meu senhor, que o amava e o prezava como herdeiro (Gn 17.18). A vida me parecia bem garantida. Pensei que nunca mais passaria as agruras da solidão e sofrimentos de um deserto. Por enquanto era só esperar o dia da morte da minha senhora, ou do meu senhor, quando meu filho herdaria tudo, incluindo a bênção que o Senhor Deus havia prometido àquela família.Treze anos se passaram de segurança e tranquilidade. Então o Senhor Deus apareceu novamente ao meu senhor Abraão e fez uma aliança com ele, neste dia, ele e meu filho foram circuncidados como sinal desta aliança. Notei que talvez as coisas não caminhassem bem como eu estava planejando, pois o Senhor Deus prometeu nesta ocasião, que o herdeiro seria um filho da minha senhora Sara.  Mas, como uma mulher de quase noventa anos, e um homem de quase cem teriam um filho? Ele já não mais visitava a tenda da minha senhora, e todos sabiam que ela não poderia mais conceber nem ele gerar. E nesta mesma ocasião Deus disse também que meu filho seria uma grande nação, atendendo assim ao pedido de Abraão (Gn 17).

A situação começou a mudar de verdade no dia em que três homens nos visitaram. Meu senhor os recebeu com honras, como era costume em nossa cultura. Depois de descansados e alimentados, um desses disse que voltaria depois de um ano e minha senhora teria um filho. Ela riu,  penso que qualquer um riria daquela palavra. Mas o visitante falava sério, e disse que para Deus não há nada demasiadamente difícil.

De fato minha senhora engravidou e teve seu filho, chamado Isaque. Meu filho deixava de ser o único e principal herdeiro, mas continuava herdeiro, já que as leis da época não permitiam que um homem desprezasse seu filho arbitrariamente. Mas agora todo cuidado era pouco. Para garantir tanto minha segurança como o futuro de meu filho, teríamos que nos comportar bem e não dar motivo para que meu senhor nos mandasse embora. 

Isaque cresceu e foi desmamado quando estava entre os dois e três anos. Houve uma festa, de fato uma grande festa! Naquela época, era muito comum as crianças morrerem cedo, por isso, quando uma sobrevivia até o desmame era motivo de festa. E neste caso a razão da alegria era maior, pois era um filho há muito esperado e que nasceu quando não havia mais esperança!
Nesta festa meu filho cometeu uma tolice adolescente: caçoou de Isaque, fez pouco caso dele. Vi meu pecado se repetindo na vida de meu filho. Da mesma forma que havia desprezado minha senhora 18 anos antes, agora meu filho fazia o mesmo. Era o equivalente a uma perseguição. Minha senhora viu e não gostou. Pediu que meu senhor nos mandasse embora. Não queria que Ismael crescesse e fosse herdeiro juntamente com Isaque.

Meu senhor ficou irado com aquela atitude, pois ele gostava também de Ismael, que também era seu filho. Desta vez Deus disse que Sara tinha razão e que Abraão deveria nos mandar embora. Ele prometeu a Abraão que cuidaria de nós e cumpriria a palavra de fazer de meu filho uma grande nação. O Deus que me ordenara voltar, agora ordena a nossa despedida!Era madrugada, ainda escuro, quando meu senhor acordou a mim e a meu filho. Ele nos deu a comida que podíamos carregar, e um odre, que era uma botija feita de peles de animais, cheia de água. Colocou estas coisas nos meus ombros e nos mandou embora (Gn 21.14-21).
Eu e meu filho tínhamos desfrutado de alimento, proteção, direção, companheirismo, enfim tudo que um bom lar pode dar durante uns 17 anos. Mas agora, a vida que me parecia segura e estável se desmoronava! O lugar protegido que vivíamos foi trocado por um deserto grande e perigoso. Meu sonho de um futuro promissor para seu filho estava prestes a se tornar um pesadelo. O futuro que me parecia garantido evaporava-se como as sombras daquela manhã. A herança que esperava agora se resumia a um pote de água e uma carga de alimento do tamanho que pudesse carregar. Nada mais. A vida de meu filho estava literalmente sobre meus ombros.

Foi assim que o novo se apresentou diante de mim. Teria uma vida nova, mas não era a vida que eu sonhara. Teria minha liberdade, deixaria de ser serva, mas não era a liberdade que queria. Aqueles que buscam liberdade, especialmente os jovens, devem ser avisados que a liberdade tem seu preço, e um preço alto, de insegurança, medo, perdas e sofrimentos. Sem Deus, não vale a pena ser livre. Sem Ele, não há verdadeira liberdade, apenas escravidão ao medo e ao desespero.

Caminhamos naquele deserto sozinhos, sem proteção, sem direção e sem futuro! Eu e meu filho. Qual impacto disto em sua vida? Um dia na casa de um homem importante e respeitado, que era seu pai, no outro sem rumo no mundo!

Decepção, frustração, solidão, medo, desamparo, dúvidas, temores, tudo isso raiava em meu coração a medida que o sol nascia sobre nós. Meu objetivo era chegar a Berseba, onde havia algumas fontes. Uma caminhada de mais de 40 km, levaríamos dois dias para chegar lá. Talvez de lá seguisse para o Egito, de onde tinha vindo. Acreditava que lá poderia encontrar algum abrigo, algum senhor antigo ou mesmo algum parente. Apesar do muito tempo que nos separava. 

Mas o choque daquele novo foi tão grande que me perdi, fiquei sem rumo, vagando no deserto.

Há muitas coisas que podem nos deixar perdidos, no meu caso foi o  desespero. Mas, cuidado, há outras: o engano e a mentira, que nos fazem acreditar e lutar por bens vazios, sem valor e sem conteúdo, como o socorro do homem (Jó 15.31; 7.3; Sl 60.11; 89.47). Os atos religiosos que não são acompanhados de obediência também podem nos deixar sem rumo (Is 1.13; Jr 18.15). Além desses,  há o pecado, os ídolos e os falsos ensinos (Is 5.18; Os 12.11; Jn 2.8; Lm 2.14; Ez12.24; 13.6-9; 22.28).
Nossa perdição pode ser causada por fatores externos que nos seduzem como os vícios, a sensualidade, o adultério e uma liderança errada , como o povo de Judá que se perdeu seguindo o rei  Manassés (Os 4.11,12; Pv 7.25; Is 3.12; 9.16; 2Rs 21.9). Mas também podemos nos perder por causa do nosso coração duro,  do auto engano, por seguir o pecado e deixar o ensino, como aconteceu com o povo de Israel na época do profeta Amós (Is 63.17;Jr 42.20; Pv 10.17; Am 2.4).

Para não se perder é preciso seguir o caminho estabelecido por Deus (Is 35.8), o que eu não fiz. Saí sem buscar a ajuda daquele Deus que já havia se revelado a mim, que me buscara em outra situação de desespero e que me socorrera.  Por isso me perdi naquela deserto.

Tudo que é humano se acaba, minha confiança na herança de Abraão se quebrara! Agora a água também acabara, Ismael tinha tomado o último gole há varias horas. Vagando no deserto, perdidos e sem água, meu filho chegou a um estado que não podia mais caminhar, estava sem forças e desidratado. Um rapaz com mais de 15 anos ficar neste estado sinalizava uma situação desesperadora. O tesouro da minha vida, meu filho, estava para morrer sedento! Totalmente desamparada, cheia de frustração e agonia, eu chorava descontroladamente.O desespero sempre nos alcança quando confiamos apenas nos recursos humanos. Depositar as esperanças apenas no que temos ou no que os homens podem nos dar é uma atitude enganosa que nos decepcionará! Esperar apenas nos recursos humanos é tremendamente desesperador!  Cuidado, você que confia apenas naquilo que vê, que faz das coisas deste mundo sua segurança, que se garante por aquilo que pode ter. O novo pode lhe roubar tudo isso, de uma hora para outra! 

Entrei no túnel do desespero e este me cegou. Sabe o que fiz? Abandonei meu filho debaixo de um árvore, foi um abandono por causa das dor, eu não poderia ver meu filho morrendo de sede, definhando por não  ter o que beber, pedindo o que eu não podia lhe dar.  Afastei-me de meu filho uns 90 metros, o suficiente para não vê-lo e ouvi-lo.  Mas esqueci de Alguém que está sempre perto para ver e ouvir e que já havia se revelado a mim. Em voz alta chorei meu desespero e minha dor.

Mas eu não tinha motivos para desespero! Pois conhecia Aquele que nos acode em nossas aflições. Há mais de 18 anos Deus me socorrera em outra situação desesperadora, naquela vez que, grávida, fugi de minha senhora  (Gênesis 16.6-14). Também estava no deserto, mas Deus me buscou e me  encontrou junto a um poço, e disse que ouvira minha aflição. Naquela ocasião Deus me prometera que meu filho seria um homem livre,  forte e formaria uma grande nação.

Eu já havia testemunhado que Deus é tanto Aquele que nos vê em nossas aflições, como Aquele que se revela nestas aflições. Que Ele não era um Deus que vivia distante lá no céu sem se importar comigo, mas que me amava o suficiente para enviar Seu mensageiro, falar comigo e se importar com minha aflição, mesmo eu sendo uma serva rebelde e arrogante. Ele é o Deus que nos busca e nos socorre. Este aprendizado fora tão marcante em minha vida que nomeei aquele poço de  “Poço daquele que vive e me vê” (Gn 16).  

Fiquei cega para a promessa que Deus havia me feito antes de meu filho nascer. Quão facilmente esquecemos as promessas e socorros de Deus! Fiquei cega para o significado do  nome Ismael: “Deus ouve”, que devia me lembrar que Deus me acudiu e ouviu minha aflição. Estava novamente em aflição, mas não lembrei. Havia passado pela experiência onde tinha aprendido que Deus é o Deus que se permite ver, e que também nos vê, mas  esqueci isto agora. O medo e o desespero podem nos fazer esquecer e nos cegar para Deus e Suas promessas.

Se eu tivesse apenas lembrado de quem Deus era, do que já fizera, e do que prometera! Se apenas tivesse pensado no significado do nome de meu filho! Mas o desespero me cegara.  Esquecer de quem Deus é, do que já fez, de suas promessas e seus sinais não é a atitude correta diante de uma situação difícil.

E naquele deserto solitário de desespero, ouvi uma voz que já havia falado comigo 18 anos antes:  O que é isso Hagar? Não tenha medo.

Oras, o que é isso? Isso é meu filho morrendo a míngua! Será que o Senhor não está vendo o que está acontecendo como resultado de Abraão nos mandar embora? Como não ter medo: minha vida está se acabando, meu filho está morrendo, eu estou perdida e desamparada neste deserto. Porque não devo ter medo?

Não tive tempo de dar voz a estas perguntas, pois a outra voz continuou:  porque ouviu Deus a voz do rapaz de onde ele está. Levanta pega o rapaz , segura-o firme na sua mão, porque dele farei uma grande nação. 

Quase não acreditei no que estava ouvindo: Deus ouviu a voz de meu filho. Eu nem sabia que ele estava clamando, talvez arrependido de sua tolice e de seu pecado, reconhecendo que estávamos naquela situação por causa dele. O desespero pode nos ensinar e nos fazer lembrar de Deus. Creio que foi isso que aconteceu com meu filho. Ele já vira Abraão, seu pai, clamando a Deus, e agora ele também clamou e Deus o ouviu. Naquela situação de desespero meu filho manifestou fé. O que eu havia esquecido, meu filho lembrou! Aquilo para o qual estava cega, meu filho enxergou: o Deus que nos vê e nos socorre. Em resposta ao clamor de meu filho, o anjo de Deus veio do céu ao meu encontro. Ele ainda continuava sendo o Deus que escuta os aflitos, o Deus que vê as aflições, o Deus que se revela nos momentos de desespero e cumpre Suas promessas.

Deus é Aquele que ouve! Deus ouve o clamor do desamparado! Deus ouve mesmo aqueles que ficam em situação difícil por causa de suas tolices. Deus é Aquele que nos socorre em nossas aflições e nossos desesperos! Deus cumpre suas promessas, mesmo as situações sendo as mais desesperadoras.

Ele me habilitou para ver uma provisão que em meu desespero eu não enxergara, e que Ele já havia providenciado há muito tempo: um poço. O desespero me cegara para ver aquele poço, mas ação e a palavra de Deus abriram meus olhos. O desespero muitas vezes nos cega para as soluções, mas Deus nos ouve, e abre os nossos olhos.

Este é o Deus que nos socorre em nosso desespero. Não importa o que lhe aguarda no ano novo, o que as curvas do tempo lhe trarão: lembre que os recursos humanos não são nossas únicas fontes, lembre de quem é nosso Deus e o que Ele pode fazer, lembre de Suas promessas e os sinais que já deixou em nossa vida. Confie e espere que Ele te socorra e te habilite a enxergar as soluções que Ele já tem providenciado. Esta é a atitude correta diante do novo. Estamos diante do Deus que vive e nos vê, e nos diz: não temas.

O novo pode nos reservar muitas surpresas e provações. Para mim e meu filho Ismael foram o medo e desespero do deserto. Meu senhor Abraão e seu filho Isaque teriam outros tipos de provações. Mas todos nós, independente do tipo de provação, podemos clamar ao Deus que diz: não temas, eu ouço o clamor do perdido, do desamparado e do desesperado!


Fonte: Marconi Duarte